Lupe - Ilustração em pessoa


Por Alice Galvão


Depois de almoçar e caminhar de volta ao jardim da empresa jornalística onde trabalha como ilustradora, Luciana Vasconcelos Macedo, 24, acende um cigarro de filtro vermelho e discorre sobre seu estilo e profissão. Explica algumas diferenças básicas entre os tipos de ilustração, seu papel no jornalismo impresso e opina sobre mercado de trabalho.

"Eu gosto de desenho no corpo, no papel, na parede... gosto tanto de desenho que quero ter desenho em mim". Em tom bem-humorado, Luciana justifica as seis tatuagens que ela mesma desenhou pelo corpo. "Todos os ilustradores que eu conheço são assim. Com ou sem tatuagem, eles pensam diferente. O desenho deixa transbordar o lado infantil da personalidade, essa coisa de ser espontâneo, de querer fazer o que gosta". Na teoria da artista, pessoas que trabalham com arte tendem a ter um comportamento não padronizado, o que ela chama de "personalidade visual".

O fato de se assumir como profissional das artes já faz com que o ilustrador seja tratado pela sociedade com certa estranheza. Neste sentido, ser diferente é antes opção e depois condição social. "Acabamos virando um gueto dentro do mercado de trabalho", constata.

Formada em Design Gráfico pela Universidade Federal de Goiás há três anos, Lupe (nome artístico) nunca fez curso de desenho, pois na Faculdade de Artes Visuais não existe especialização em ilustração. Desenvolveu sozinha sua aptidão, inspirada no gosto pelos quadrinhos. Ainda estudante, fez estágios em escritórios de design e, depois de formada, prestou serviço autônomo, desenhando logomarcas, banners e sites. Mas ainda não estava contente. "Se a coisa apertar eu faço, mas não gosto muito", avisou. Então mudou de ares e resolveu ser aprendiz de tatuador. Em pouco tempo associou-se a uma amiga e montou o seu próprio estúdio. "A experiência foi boa, mas não era o que eu queria, achei muito automático. A pessoa chega, pede uma coisa e você tatua aquela idéia pronta", criticou. Luciana acredita que o bom profissional não se limita em saber desenhar, mas possui capacidade de interpretação para ver e mostrar diferentes olhares.

No início de 2005 surgiu, por intermédio de um amigo infografista, a oportunidade de trabalhar em jornal. Até então, nunca havia trabalhado com ilustração propriamente dita. Diferentemente das anteriores, a nova experiência a empolgou. "Nem todos tem facilidade para imaginar quando estão lendo uma matéria", explica, complementando que o desenho proporciona maior interação do leitor com a página.

Por ter traço infantil, Lupe é hoje responsável pela maior parte dos desenhos publicados no caderno dedicado às crianças. Editorias como a de cidades e economia, além do caderno de concursos, também possuem matérias ilustradas. Mas ao contrário do que se possa imaginar, os desenhistas não precisam mudar o estilo por causa do tema, pois os editores escolhem os ilustradores pela compatibilidade entre o assunto e o traço.

A artista, que usa piercing prateado no nariz e cabelos curtos channel também produz HQs (Histórias em Quadrinhos) e frisa que a diferença entre os trabalhos se dá no acabamento, mas garante que sua personalidade fica evidente em ambos. As HQs acabaram ficando menos freqüentes por falta de tempo. O jornal exige método mais sistemático e prazos mais curtos. Mas mesmo assim, os ilustradores são livres para criar. "Não tem como o editor ou o repórter interferir no processo criativo, nem ficar atrás de você, pedindo para apressar o trabalho. O cara te entrega a pauta e depois você entrega a ilustração pronta e vai embora. No máximo há uma conversa na entrega da pauta para que não saia algo totalmente fora do enfoque. Às vezes acontece de um editor mais complicado pedir para mudar no meio do processo, mas isso é raro", exemplifica.

Mercado de Trabalho

Sobre o mercado de trabalho em Goiânia, Luciana define como "horrível", pois sobra exploração por parte dos contratantes, que não se dispõem a pagar o preço justo e falta consciência de classe para os profissionais, que não se organizam para lutar pela valorização do seu trabalho. "Os profissionais de design já estão se conscientizando e buscando formas de mudar isso, mas a ilustração não.


Não há organização social da categoria e fora os dois grandes jornais da capital, não temos muitas oportunidades", desabafa. A ilustradora acredita que os artistas brasileiros não devem nada aos europeus e norte-americanos, principalmente na confecção de livros infantis, pois "aproveitam bem esse lado da cultura brasileira cheia de cores vivas, explorando as formas geométricas". Mas reforça que fora do eixo Rio-São Paulo, a opção mais viável economicamente é trabalhar em jornal. A única organização do segmento no Brasil é a Sociedade Brasileira dos Ilustradores, que se restringe a organizar palestras e dar descontos em compras e eventos. Não é politicamente representativa. Para Luciana, isso é reflexo da característica do artista, que "está sempre evitando burocracia, organização e formalidades".
Os trabalhos da Lupe podem ser apreciados no site www.lupevision.com

2 comentários:

  1. Alice, ficou ótima a matéria! Parabéns, e muito obrigada!

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  2. Ainda bem que você gostou Lupe, contribua para o blog com seus desenhos e/ou textos também ok? Ah, e divulgue para os seus amigos.
    Um abração.

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