Idelmar de Paiva
A democracia é um prato cuja receita é pura ciência e arte. Só que depende da qualidade dos ingredientes e da mão do cozinheiro. Onde há tolos, ali há gatunos. No Brasil de tolos e aproveitadores, nossa democracia é mais cênica do que efetiva. Literalmente algo para inglês ver. No papel, uma beleza. Contudo, optamos por ela; tanto é que, pelo voto, o operário sucede o sociólogo na presidência e o país avança, para a frustração dos preconceituosos. Suponho que FHC e Lula são amostras pouco representativas dos demais políticos. Há muita gente esperta, no sentido malandro da palavra. Cometemos menos fiascos no atacado do que no varejo. E olha que o que não falta é eleição. O exercício da negociata encaixou-se à formulação acadêmica.
Desenvolvemos uma instituição extravagante – por fora, bela viola; por dentro, a gatunagem assola. Forçado a votar, o miolo-mole comparece à cabine eleitoral para não ter um documento comprometido, para pagar ou aguardar a prestação de um favor ou ainda para esperar o cumprimento de uma promessa descabida. Há quem se eleja com rios de voto porque é bonito e famoso. Poucos “eleitores” se dão ao trabalho de acompanhar o noticiário, as análises, refletir sobre o que acontece. Votar em partido então, parece coisa do outro mundo. Afinal, como distinguir “doutrinas políticas” do DEM, PCO, PC do B, PCB, PDT, PHS, PMDB, PMN, PP, PPS, PR, PRTB, PRB, PRP, PSB, PSC, PSDC, PSL, PSDB, PSOL, PSTU, PT, PTB, PT do B, PV ou PTN?
A democracia cênica opera-se pela indústria eleitoral, resultado do triângulo amoroso entre o poder econômico, a máquina pública e o marketing. Fácil “convencer” o leitor desavisado, que vota por obrigação, venalidade ou ingenuidade. Ramo que gira bilhões. A sociedade é refém dos frankensteins que elege. Quem vai votar em matérias como simplificação tributária, relativização das leis trabalhistas, abolição do voto obrigatório, extinção do horário eleitoral gratuito, fim do horário de verão, instituição da gratuidade do exercício da vereança, extermínio das emendas parlamentares ao orçamento, exigência de concurso público para conselheiros dos tribunais de contas, mudança nas leis de execuções penais e tantas outras?
Mas preparemos, no ano que vem haverá eleições de novo. A democracia cênica não pode parar.
Idelmar de Paiva Auditor Fiscal, bacharel em Direito, escritor.
idelmarpaiva@uol.com.br
Belo artigo. Achei altamente apropriado o termo "frankestein", posto que os políticos em si são apenas a parte visível de um projeto que envolve dezenas, quiçá, centenas de pessoas e milhões de reais.
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