Produção Independente em Evidência

Matéria publicada na Gazeta Mercantil em 21 de dezembro
Enviada por Fabrício Nobre

Se 2007 termina sob impacto do desmanche do mainstream musical brasileiro e mundial ocasionado pela queda nas vendas de cds e dvds (gerada pela livre circulação de música na internet), 2008 promete ser bastante promissor ao menos para a nova e emergente música brasileira, aquela que já está sendo gestada, há tempos, fora do stablishment e da indústria cultural "oficial". Com as gravadoras multinacionais perdendo milhões em vendas e desistindo de investir em novos artistas e em novos "modismos" musicais, músicos e produtores alternativos saíram em busca de outros caminhos para continuar produzindo música de qualidade, e também para manter seu trabalho vivo e fazer sua música chegar até novos e potenciais consumidores. Assim, criou-se uma enorme rede de produção e circulação de música independente no Brasil nos últimos anos. Uma rede que abarca diferentes estilos musicais e que se espalhou por todo o país, por internet, boca-a-boca e festivais de música. Afinal, já se percebeu, shows de música ainda atraem bastante público e talvez sejam o único item que não foi "abalado" no espectro musical pela pirataria, downloads e troca de arquivos gratuitos através da rede mundial de computadores.

E o próximo ano promete consolidar de vez esta nova cena musical brasileira. Uma cena já tão estabelecida e visível pelo público e pela grande mídia, que mega corporações comerciais resolveram investir nela. O maior exemplo deste investimento partiu, há dois meses, da gigante Petrobras, uma das maiores empresas de petróleo do mundo e a maior estatal do país. Através de seu Primeiro Edital de Festivais de Música, a companhia contemplou vinte e cinco festivais espalhados pelas cinco regiões brasileiras, destinando um total de R$ 2,5 milhões para a realização destes eventos em 2008. E segundo Cláudio Jorge de Oliveira, 42, coordenador de música da gerência de patrocínio cultural da Petrobras, o motivo é que "os festivais constituem uma alternativa à cadeia produtiva, uma alternativa visível e concreta a todos aqueles que não estão mais inseridos no mainstream musical".

Ele sabe do que está falando: há muita gente que continua fazendo ótima música no Brasil hoje. E com as grandes gravadoras fechando suas portas para esta renovação musical, a saída foi se articular por conta própria de várias formas possíveis. Uma dessas formas ganhou corpo através da realização de festivais independentes cada vez mais bem organizados e estruturados. Como o Abril Pro Rock, por exemplo, realizado há quinze anos em Recife e que foi o primeiro evento a ganhar patrocínio da Petrobras, há dois anos. "Resolvemos olhar com mais atenção para este segmento quando patrocinamos o Abril Pro Rock em 2006 e, depois, o Porão do Rock [outro grande festival, realizado anualmente em Brasília], em 2007", se recorda Cláudio. "Fizemos estas duas experiências para 'sentir' o mercado musical alternativo, ver como ele funcionava. Aí então partimos para uma ação mais efetiva, através da criação do Edital, baseado na Lei Rouanet de Incentivo à Cultura".

O resultado deste primeiro Edital irá, portanto, injetar uma bem-vinda e importante soma em dinheiro em vinte e cinco festivais brasileiros em 2008, de um total de 259 inscritos. Destes, 233 foram habilitados a participar do processo seletivo e trinta chegaram à fase final de seleção. Alguns dos contemplados são eventos que já possuem histórico e tradição no novo cenário musical brasileiro, como o festival Goiânia Noise, realizado há treze anos na capital de Goiás. Outros não possuem tanto tempo de existência, mas deram visibilidade a regiões antes inexistentes dento do mapa musical nacional. É o caso de Cuiabá, capital do Mato Grosso, onde uma cooperativa cultural alternativa, a Cubo Planejamento, produz já há cinco anos dois festivais por ano, o Grito Rock (sempre realizado durante o carnaval) e o Calango Artes Integradas (que acontece em meados do segundo semestre e que além da música, também abre espaço durante três noites para outras linguagens artísticas como cinema, literatura e artes visuais). Ambos deram oportunidade para que uma cena pop/rock, em franca ebulição na capital matogrossense, pudesse "exportar" para o restante do Brasil nomes que hoje já são bem conhecidos de todos que acompanham a nova movimentação da música brasileira. Vanguart e Macaco Bong são dois dos principais grupos revelados pelos festivais cuiabanos.

O primeiro, um quinteto de inspiração folk e blues e com um ótimo disco lançado, já participou de programas na tv Globo e está prestes a ser contratado pela gravadora Som Livre. O segundo é um trio instrumental básico (guitarra, baixo e bateria) cujo disco de estréia sai no começo de 2008 e que mistura rock com acepções jazzísticas. O som do Macaco tem recebido tantos elogios da imprensa musical do Sudeste que o grupo já sonha, inclusive, com possíveis shows no exterior assim que o disco for lançado. Aliás, tanto o disco do Vanguart quanto do Macaco Bong são lançamentos também de um selo independente, a Cubo Discos, braço fonográfico da produtora homônima.

Foi a turma do novo rock brasileiro uma das mais beneficiadas pelo Edital da Petrobras. Dos vinte e cinco festivais agraciados com o "ouro negro" da empresa, sete se dedicam a revelar novos talentos do pop e do rock nacional. Esta "atenção especial" talvez se dê pelo fato de que os produtores dos festivais de rock são alguns dos mais articulados e ativos da música alternativa que se faz atualmente no país. Tão articulados que eles criaram, há dois anos, a Abrafin – Associação Brasileira de Festivais Independentes – e cujo presidente, Fabrício Nobre, além de roqueiro de carteirinha (canta à frente do grupo MQN), ainda é sócio de gravadora independente (a Monstro Discos, em Goiânia) e um dos organizadores do festival Goiânia Noise.
"O Goiânia Noise é um evento tradicional dentro circuito brasileiro de festivais, tem 13 anos sempre mostrando o melhor do rock independente brasileiro, se relacionando com bandas sul-americanas e de todo mundo, com seminários já tradicionais etc. Acho que era tipo de evento que o edital da Petrobras procurava fomentar", observa Fabrício. "Afinal os apoios da estatal se caracterizam por ser para projetos realmente relevantes para cultura brasileira e acho que Goiânia Noise, sem falsa modéstia, é bastante relevante no momento. Ele aponta um novo modelo de se produzir rock e música no país, discute abertamente essa situação, traz o novo para um público maior e resgata artistas fundamentais do rock brasileiro, às vezes esquecidos, além de dialogar com os cenários de outros países", completa o músico e produtor.

O mesmo entusiasmo demonstrado por Fabrício também domina o discurso de outros produtores envolvidos nos festivais beneficiados pela Petrobras. "Este patrocínio significa, antes de mais nada, o reconhecimento pelo poder público, em nível federal, de uma demanda social que se criou a partir da movimentação gerada pelo crescente circuito de música independente", avalia Diogo Soares, um dos organizadores do festival Varadouro, realizado já há três anos em Rio Branco, capital do Acre. "A chancela da Petrobras, além de agregar força na busca de outros patrocinadores, vai possibilitar que o projeto aconteça sem ônus financeiro para o estado do Acre, que tem sido o patrocinador mor de todas as edições anteriores, seja por meio das leis de incentivos fiscais ou por apoio direto. Essa é a maior conquista, pois mostra que o festival tem vida própria e continua crescendo", enfatiza Diogo, que além de atuar na organização do Varadouro, também é vocalista do grupo Los Porongas, outro nome que surgiu fora do eixo Rio-São Paulo e hoje é um dos conjuntos mais destacados do rock independente brasileiro.

Fora do Eixo, inclusive, é o termo que dá nome a outra cooperativa que atua em parceria com a Abrafin, com o objetivo de fortalecer o circuito de festivais que não são realizados em grandes centros como São Paulo ou Rio De Janeiro. É outra organização pioneira, também surgida em Cuiabá e cujo lema maior é promover a música que ela considera estar fora do grande eixo de público, comércio e mídia. E o "xodó" da cooperativa é o já citado Calango, hoje um dos cinco grandes festivais de música independente do país. Em sua última edição, realizada em setembro último, o Calango abriu espaço em seus dois palcos para a apresentação de 48 bandas de todo o país e em todos os estilos musicais, atraindo um público de mais de seis mil pessoas. Com um orçamento previsto de R$ 300 mil reais para sua edição de 2008, o festival recebeu com entusiasmo os R$ 160 mil que conseguiu de patrocínio da Petrobras.
"O suporte financeiro é extremamente importante para qualquer atividade social. A cultura é de uma importância social sem tamanho e portanto, cada vez mais o poder público deve encarar como sua obrigação criar esse mecanismo financeiro para as atividades culturais", defende Lenissa Lenza, 27, uma das principais coordenadoras da Cubo Planejamento, do Circuito Fora do Eixo e do festival Calango. "Nesse contexto, a Petrobras vem se mostrando extremamente sensível às movimentações culturais do país todo. E quando percebe a existência de festivais independentes com um conceito diferenciado e com uma proposta fundamentada e mostra a sua responsabilidade para com essa ação, nos dá a sensação de que toda a movimentação que vem sendo criada pela música independente, está gerando bons resultados", diz ela.

E se todos os contemplados com a verba distribuída pela mega-estatal do petróleo só tem elogios para com a iniciativa da empresa, a própria Petrobras se mostra mais do que satisfeita em apoiar o nascimento e o fortalecimento de novos talentos musicais brasileiros. "Quando investimos na cultura brasileira estamos fazendo nada mais do que reforçar o fato de sermos uma empresa brasileira, o que muito nos orgulha.
E a tendência é darmos continuidade a isso pois os resultados foram muito positivos até agora", diz com convicção Cláudio Jorge, da gerência cultural da companhia. Como se vê, se não há mais espaço no quase falido mainstream musical para a nova música que se faz no Brasil, azar desse mainstream. Totalmente independente, caminhando com as próprias pernas e revelando talentos que despertam a atenção até de empresas do porte da mega estatal petrolífera, a emergente música nacional prosseguirá muito bem seu caminho em 2008.

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