Não dê dinheiro

Foto: Marcus Vinas

Texto: Alice Galvão

Pegar um ônibus urbano cheio e ter os ouvidos bem atentos. Eis uma boa fórmula para parir uma crônica.
Hoje mesmo, a caminho do trabalho peguei um "Eixão".
Subi na altura da avenida Araguaia, rumando à Praça da Bíblia. Consegui, por sorte, me sentar e pude pôr a cabeça à disposição das histórias, sem me preocupar com a bolsa ou com algum possível "bulinador".
Então, eis que um senhor de meia idade puxa assunto com duas moças sentadas logo à frente. De calça jeans e camisa azul bem passada, com caneta no bolso e tudo, ele se apresenta antes de contar o causo.
Funcionário público, assistente social da Secretaria Estadual de Saúde, o homem estava voltando do Hospital Materno Infantil para o ponto onde tudo começou.
No terminal Praça da Bíblia esperava um ônibus qualquer, não ouvi qual, quando apareceu um "sujeito" com um menininho no colo. O garoto estava com os olhos estatelados e o pai pedia ajuda para comprar remédios e o "de comer".
Imediatamente e fazendo jus à profissão, o nosso bom samaritano dispôs-se a providenciar ao irmão todos os remédios necessários e uma cesta básica, com a condição de que este o acompanhasse. Ambos pegaram o Eixão rumo ao setor Oeste.
Contente em receber a ajuda e acreditando que o doador compraria os beneficios, homem e criança o seguiram sem pestanejar.
Um ponto antes da praça A os três desceram e andaram cerca de três quilômetros, passando pelo Hemocentro. Quando entraram no Materno Infantil, o assistente social ajeitou os óculos e a camisa e pediu solenemente que a recepcionista chamasse um clínico geral, pois a criança que ali estava precisava de atendimento com urgência.
Neste momento caiu a ficha do pai... Sem saber para que olhar e nem onde pôr as mãos ouviu o outro lhe dizer orgulhoso "pronto, agora o doutor vem te atender e seu filho será medicado, depois iremos até a Secretaria de Saúde e faremos seu cadastro para receber a cesta básica".
Disse isso e foi beber água. Neste ínterim, pai e filho fitaram a porta e saíram em carreira descontrolada.
Com uma expressão oscilante entre a indignação e o riso, o homem concluía sua saga, deixando as moças perplexas."O menino tinha que trabalhar na televisão! Tava ensaiadinho!" Analisou.
Então fitei seu rosto para guardá-lo na memória e ouvi ainda, indiretamente, um último conselho. "É por isso que a gente não deve dar dinheiro!".

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Charge - Almeida (Marcus Vinas)

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