Aprendi com o menino Descartes que, antes de tudo, é preciso método. Por isso, desde priscas eras, guio-me pelo seguinte, inquebrantável e repetido hábito: abstenção total dos grandes debates que inquietam a nação.
Sim, minha comadre, em nome da preservação do meu resto de sanidade, sempre fujo às importantes discussões no início de semana - especialmente quando estou na fila do banco, desesperado, procurando uma fórmula para amenizar as dores de minha maltratada conta bancária.
Assim, quando o sujeito se aproxima com indagações do tipo "Rapaz, você viu ontem no Fantástico o caso do médico que engoliu um canguru no interior da Paraíba e não pára de pular faz uma semana?" - minha resposta é uma só: Nécaras. E dou o assunto por encerrado.
Ou melhor, dava. Nesta última segunda-feira foi impossível. Afinal, não poderia silenciar diante do seguinte questionamento que me foi feito por uma moça de alpercatas da Barroquinha e olhar desleixado. (Não pelo questionamento em si - se é que vocês me entendem).
"O que você achou da história do desaparecimento de Belchior?".
Mais distraído do que a zaga do Vitória, pensei em agradar a menina fazendo um tratado sobre a peregrinação do Rei Mago em visita ao menino Jesus. Porém, me lembrei que, apesar da insanidade das propagandas, ainda estamos em agosto. Portanto, não era daquele Belchior que a garota estava falando. Porém, sua alpercata e olhar desleixado não podiam ficar sem resposta. Ou melhor, sem pergunta. Então, larguei: "Qual Belchior?".
Possuída pelo espanto de uma fã que não compreende tamanha desfaçatez, ela abandonou o ar raribô, rabirô, ra riiii bôô - e falou secamente: "O cantor, ora".
Como perco a mulher, mas não perco a piada, perguntei: "O que aconteceu com o cearense? Morreu de novo?".
Sim, amigos, porque convenhamos. Esta história de falar que o cara sumiu faz apenas dois anos é de uma desinformação sem limites. Toda a Bahia e uma Banda de Sergipe sabem que Belchior desapareceu para a canção popular desde o Ano Internacional da Criança, 1979. De lá pra cá, sobrou somente o bigode. Aliás, acho que este segundo sumiço da santa está relacionado exatamente a este acessório capilar.
É a única explicação plausível que me ocorre. Senão, vejamos.
Apesar de ter sido abandonado pelo talento há coisa de três décadas, Belchior resistiu honrosamente ao anonimato. Mesmo com as severas admoestações dos críticos (esta raça de gente ruim), ele prosseguiu com suas canções e pensamentos imperfeitos sem dar ouvidos à maldade alheia. Porém, quando seu conterrâneo José Sarney (pra mim, nordestino é tudo igual) iniciou o processo de desmoralização do bigode, Belchior não suportou. Afinal, a ostentação do referido adorno facial era a única glória que lhe restava. Ao ver que até o bigode havia sido vilanizado, ele sucumbiu. E, tragédias das tragédias, saiu da MPB para ocupar um lugar no noticiário do Fantástico.
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